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A Ana Vieira Ribeiro (Faro, 1978) e o Henrique Vieira Ribeiro (Lisboa, 1970) são um casal de artistas que partilha o atelier em Queluz.
Saí da linha de comboio e entrei dentro de uma garagem. Senti que estava a entrar no site do Henrique, o atelier é tal e qual: todo branco, limpíssimo, arrumado. O atelier é como eles, com música ambiente, muito claro e calmo, exactamente igual ao trabalho.
Há espaço para os dois. Não se misturam, mas os trabalhos convivem e influenciam-se.
Em conversa, percebi que a parte de investigação é vital. Nenhum deles transforma em definitivo o primeiro impulso. É tudo pensado, planeado e seguro sem ser estéril.
Esta é a série em que a Ana está a trabalhar: A Repetição. |
A Ana utiliza um terço do atelier, a sala maior e com mais luz. Como o Henrique trabalha com fotografia, o espaço mais recatado é seu. Os trabalhos crescem proporcionalmente ao espaço: as pinturas da Ana ocupam as paredes disponíveis.
O que nos ocupa a maior parte do tempo são gestos repetitivos, hábitos que nos moldam o pensamento e a linguagem sem que nos apercebamos.
A Ana obriga-nos a desviar o olhar dos grandes acontecimentos e a nossa posição passa a ser a de observadores de pequenas coisas: das rotinas que são a constante actualização de quem somos.
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O Henrique também repete. Sob diferentes suportes, explora a vontade do indivíduo se transcender.
À esquerda, testes que resultaram no Voo e a Queda de Ícaro. Pendurado, o trabalho em curso sobre rádio amador. |
Lista de comunicações entre rádios amadores. |
Arrumadíssimos na parede, os trabalhos em curso sobre rádio amador: de cá, ligo-me a alguém noutro local do mundo e envio-lhe um postal. Se uma outra apanha a minha frequência, envia-me um postal.
O resultado são inúmeras comunicações, em que num instante estamos cá, noutro estamos a ser ouvidos noutro país. Se traçarmos as distâncias que a frequência percorreu, temos um mapa: temos uma constelação de frequências cuja linha externa é o que o Henrique apresenta.
Em conversa sobre a memória, o Henrique abriu esta caixa de fotografias. |
Tudo no seu trabalho gira à volta da memória e desta vontade do sujeito se ver mais longe. É inquieto porque não deseja esquecer-se, mas também não se quer estagnado.
Quando se passa do atelier da Ana para o do Henrique, através de um arco, este placard aparece. As fotografias organizadas que 'ainda não são nada', mas são trabalho em curso, parte d' A Casa. |
As fotografias trazem à luz este pensamento. Algumas, do projecto A Casa, e uma espécie de esponja carcomida em forma reticular que, por isso, também se expande com vontade própria.
Quando conversávamos, pareciam-me fungos e não estava longe: é, mais uma vez, a característica orgânica que é importante e a memória de que ela existe é o próprio desenho.
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Trabalhos da Ana
Viver todos os dias cansa, acrilico s/ tela, 100 x 120 cm |
O tempo do depois, acrílico s/ tela, 130 x 200 cm |
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Trabalhos do Henrique
Zenite #02, jato de tinta s/tecido, 195x145 cm. |
Retrato #06 (estudo), jato de tinta s/papéis fotográficos, colagem, 100x61 cm |
Li é estremeci.
ResponderEliminarA cada dado informativo deste espaço, cada um mais enriquecido pelo outro, e à medida que se avança na sua descoberta, não podemos deixar de ficar extasiados pelo trabalho ímpar destes dois jovens artistas.
Senão repare-se:
Do nada nasce o muito.
Onde até o pó deixa de ser pó para ser arte...
Uma simples onda de rádio corre mundos, semeia contactos, fomenta energias...
Uma velhíssima esponja, que o tempo corrói e degrada, se renova e ramifica em árvores de vida...
O passado, o presente e o futuro se fundem reluzindo no hoje dos quadros da Ana...
Um arrumo de ideias e de planos artísticos, parece tecer a harmonia conjunta que paira no jogo de luzes e cores deste atelier de trabalhos ímpares, cujas imagens, que não metem, nos revelam.
Obrigada pela partilha.
Parabéns!
Amei!