Esperei pelo José Augusto Castro (Avintes, 1962) perto do El Corte Inglés de Gaia. Veio um assobio de um carro e era ele, que me levou até ao seu atelier, uma garagem ao lado da sua casa.
'Trabalho aqui, adoro ter o atelier ao pé de casa. Às vezes já estou deitado e penso epá, devia mesmo ir fazer tal-e-tal e venho!'
O JAC tem um discurso jovial e extrovertido. Cada pedacinho da conversa foi quase um curso de como se manter motivado. O truque? 'Faço tudo o que está ao meu alcance. Assim estou de consciência tranquila, fiz tudo. Se vendo ou não, já não posso controlar, mas confio muito no meu trabalho, sei que é o melhor que posso fazer'.
| 'Uma vez estava aqui no atelier e estava só a gastar tinta. Parei e disse a mim próprio 'tu não estás a ser como és. Tens é que pintar do que sabes.' |
Com efeito, todo o discurso em voz muito alta e engraçada torna-se, gradualmente, um discurso sobre a verdade e o erro. O JAC pinta por cima, pinta muitas camadas, deixa a pintura a descansar e volta a pintá-la uns tempos mais tarde. Vira as telas para a parede para não ter tentações.
| Livros de artista, pequenos desenhos, restos... |
'Aproveito restos das minhas próprias pinturas. A tinta vai caindo, a determinada altura eu rasgo, colo num caderno, pinto por cima. Faço as minhas próprias cores, coloco-as nestes boiões.'
As colagens são uma pequeníssima parte daquilo que o JAC faz. Mas tem-nas guardadas numa caixa impecável, organizadíssimas, nem parece vindo daquela pessoa. No final da visita, pensei que talvez este tenha sido dos ateliers mais organizados que visitei.
| Pequenas colagens de restos de pinturas. |
'A primeira coisa que faço quando chego ao atelier é ligar música. Muitos dos títulos dos meus trabalhos são excertos da música que estou a ouvir naquele momento, sou muito sugestionado pelo som. Agrada-me ouvir com muita qualidade'.
O ambiente do atelier tem qualidade, mesmo que nunca tenha ouvido música enquanto lá estive. A luz é maravilhosa e eu própria tinha vontade de lá trabalhar.
| Esta fotografia foi um momento absolutamente pessoal, já que eu sou uma fã do Cohen. |
| Ao construir livros de artista por cima de catálogos, não há o medo da página em branco, de estragar alguma coisa. Está-se à vontade. |
'Tenho um amigo daqueles tipos que já têm tudo. Pá, não sabia o que lhe havia de dar pelo aniversário, estava aflito. Então decidi pintar-lhe um bolo de anos. Levava escrito uma frase com ironia. Presto atenção a isso: escrever por cima daquilo que pinto.'
Este bolo seria o início de uma série de mais de cem, que expôs assim mesmo, sem moldura, só o bolo. 'Os 'cakes' são uma excelente prenda e as frases são especiais. 'Estou sempre a lembrar-me de mais e vou anotando. Já construí um caderno só com ideias para cakes: uma pessoa começa a pensar e de repente vêm muitas.'
'Acho que o preço tem que ser acessível. Não quero que uma pessoa deixe de levar um trabalho meu só porque não pode comprar. Isso não pode ser, eu trabalho a divertir-me.'
A exposição dos Cakes deu-lhe uma projecção que não esperava. Saiu em revistas e isso foi importante. 'Quero que muita gente veja o que eu faço. Gosto tanto disto!'
| Na revista Umbigo, número sobre arte e gastronomia, reproduções dos quadros da exposição. |
'Uma vez, fiz uma pintura. Estava péssima, péssima. Não sabia o que havia de fazer com aquilo. Então enrolei e era um trabalho! Um desenho enrolado, o meu desenho enrolado. É assim, está acabado, é isto!', diz-me no meio de uma gargalhada.
| Pintura enrolada de JAC. |
'Uma vez fiz obras em casa e guardei os restos nesta caixa. Assim, posso olhar para ela todos os dias.'
Exceptuando que, no dia seguinte, quando o JAC chega ao atelier e vai embrulhar o trabalho desejado, já não é o mesmo da fotografia. Já tinha modificado completamente sem se lembrar. Ainda assim, o rapaz ficou com o trabalho, o JAC com a carteira e tudo correu como deve ser. Para atestar isso, abre-me o seu diário na página onde se confirma a troca:
Além de tudo, o JAC tem espalhado pelo seu atelier uma série de lembretes para si próprio. As fotografias abaixo atestam essa característica e o trabalho do JAC, tão rico e ao mesmo tempo tão fluído, só podia ser feito neste atelier, nesta local reservado num cantinho de Gaia.
| (clicar para ampliar) |
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O trabalho está exposto na Miguel Justino Contemporary Art, em Lisboa.
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