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sábado, 16 de abril de 2016

ANA TECEDEIRO





O atelier da Ana foi uma das razões pela qual este blogue começou. 
Partilhamos o mesmo espaço e convivemos diariamente há mais de dois anos. Conheci dois ateliers antes deste.

O primeiro era uma mesinha numa casa minúscula. O segundo, uma sala com uma mesa maior, a mesa que ainda hoje tem, na casa para onde mudou a seguir. Este é uma cave, um covil ou como ela gosta de lhe chamar: um bunker.  

(clicar para ampliar)
Vista geral do atelier, uma sala rectangular.
O espaço muda-se facilmente. Caótico, está cheio de coisas por descobrir. Por vê-lo todos os dias, habituei-me ao espanto de reparar em coisas diferentes consoante o meu estado de espírito. 

'Isto é uma gruta do Ali Babá, não é?', pergunta a Ana enquanto vai retirando caixas de madeira, sabe-se lá de onde. 'Já nem me lembro do que está aqui... ah! É isto!'

Bando de Solitários

A Ana tem uma caixa - tem quase todos os trabalhos em caixas de sapatos, de vinho, de jogos - onde guarda desenhos que vai fazendo. Nesta, 'um bando de solitários', personagens que, embora estejam em grupo, se sentem sós. Já a vi desenhá-los: fá-los quase sempre quando conversa com outras pessoas, quando está em jantares, independentemente do seu grau de envolvimento na conversa. 



'É estranho, não é? Cortei acima dos olhos para ficar
ainda mais esquisito.'

Além desta, há mais: abre uma caixa com fotografias antigas, quase todas a preto e branco. São fotografias encontradas na rua, por acaso. Aparecem-lhe aos pés e jura que só temos que reparar para começarmos a ver. 'Toda a gente é capaz de encontrar. Eu encontro e não faço nada por isso... É preciso estar com atenção e pensar que se quer encontrar'.


Vídeo onde a artista mostra parte
da sua colecção de fotografias encontradas

A sua mesa de trabalho é muito vivida. Podem encontrar-se as coisas mais inesperadas: agrafos, há muitos, porque as agrafagens são uma parte importantíssima do seu trabalho. Mas além deles,  há clipes, caixinhas, brinquedos, sementes, objectos em loiça, folhas de árvores, pequenos plásticos ou ferramentas. 

Um pedacinho da grande mesa de trabalho.

A parede em frente também não desilude o observador. Desenhinhos, cabides, textos... A sensação é a de que estamos sempre a ver trabalhos a meio, pequenas coisas que ainda não encontraram o seu destino final e, entretanto, pousaram ali à espera.

A parede em frente à mesa.
Quando peço para ver livros de artista, não antecipo o que aí vem. Neste momento não está a trabalhar em nenhum, apesar de não estarem concluídos, mas a Ana abre três: Seleções de Selecções, O Universo (que originou um blog) e o Livro Empanturrado (2013). Há também outros, por exemplo o Borbotos, que é constituído por fotografias de pedacinhos de cotão, restos de trabalhos seus que não servem mais.







O Universo é um livro de artista de 2003 no qual aparecem fotografias da sua mesa de trabalho quando o seu atelier era só isso: uma mesa de trabalho. É um livro de registo, de atenção aos pormenores. Por não querer que nada fique desvalorizado, a Ana presta atenção a cada indivíduo na sua mesa tão cheia. Não se torna obcecada, mas valoriza-lhe a energia.

O Livro Empanturrado são páginas e páginas de comida que empanturra o olhar. Não há como evitar a má disposição visual quando se folheia este livro. 

Livro Empanturrado.

O trabalho da Ana e o seu atelier não me deixam mentir: os restos são a matéria prima. Resgatar objectos do apagamento definitivo e dar-lhes um destino é o mais importante. E até as sobras das sobras são utilizadas. 'Trabalho com aquilo que as pessoas deitam fora. Faço aquilo que posso com o que tenho'.


'O que eu fizer hoje será muito importante,
por isso eu vou trocar um dia da minha
vida por isso'

A Ana é, essencialmente, uma coleccionadora. Colecciona desde brinquedos antigos a bocadinhos de plástico ou botões. Mas as suas colecções são especiais. Exceptuando alguns livros, são todas constituídas por coisas encontradas. 

Parte da colecção de botões
encontrados no chão, arrancados de calças, etc.

O brio com que trata cada objecto que encontra é o mesmo de quem se dedica a polir diamantes. Por vezes, vêm em saquinhos de plástico que ela retira do fundo da mala, coloca em água e sabão e esfrega, esfrega, lava, lava. 

São raras as coisas que compra. O custo dos materiais é quase reduzido a zero. 'Suponho que seja por nunca ter tido muito dinheiro, muitos meios. À partida, seria sempre uma falhada. Mais uma vez, interessa-me fazer o que posso com o mínimo que tenho'.  



As agrafagens são também uma forma de valorizar o ínfimo: papéis sem fim que não aquele a que foi destinado originalmente - por exemplo, folhas de revistas ou livros antigos - para os quais não olharíamos mais. A Ana obriga-nos a olhá-los. Rasga e agrafa, papelinho por papelinho.

A Ana e duas agrafagens.
Quando a Ana vai trabalhar, geralmente ouve entrevistas. Por vezes, conversamos enquanto trabalha. 
Mas não é só artista plástica. É também poeta e faz sentido: é uma questão de linguagem. Às vezes está no mood de escrever, outras, de agrafar, mas os poemas também fazem parte deste espaço.


'Socorro! Socorro! - gritou, - Tenho um [significado oculto]'


'Não fujo do erro, da hesitação, do absurdo. Penso que a arte quando é verdadeira deve ter tanto de absurdo como a própria vida. Uma e outra buscam incessantemente o seu próprio sentido.'

Artist Statement de Ana Tecedeiro.

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A Ana pode ser contactada através do seu facebook. O seu site é este.
É representada pela Miguel Justino Contemporary Art, em Lisboa.

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