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domingo, 21 de fevereiro de 2016

JOÃO CONCHA

Cheguei à Alameda das Linhas de Torres a saber que o dia ia ser longo: o João Concha (Évora, 1980) divide o trabalho por dois ateliers, um limpo e um sujo. Um dentro de casa, outro em Campo de Ourique. Um para tratar de uns assuntos, outro para pensar noutros. Repito: um limpo e um sujo.

Nas seis horas que se seguiram, falámos muito. Falámos tanto, que por vezes me esqueci de fotografar. Uma conversa que me foi tão cara, que não sei se aquilo que coloco entre aspas foi ele quem disse ou foram as minhas conclusões.

O atelier em casa é um escritório que permite
respirar. Só soube disto quando visitei o outro.
Limpo é sinónimo de leve,
mas nada é levíssimo no trabalho do João.

O João trabalha muito a sério. Apesar desta característica ser comum a todos os artistas que visitei, no seu caso deve ser apontada. Dirige-se simultaneamente em três direcções, que por sua vez se ramificam.

Por um lado, faz trabalho de ilustração. Ilustra livros infantis e livros de poesia da sua própria editora. Esta leva-lhe a maior parte do tempo: é a (não) Edições. Sendo fundador, também seria os autores, pagina e ilustra. Por último, pinta - mas só no 'atelier sujo'.

'Copycats'.
Copycat é aquele que repete, que imita
ou segue outro. Esta série de formas de rostos, que imitam o rosto
do João, são parte da sua pesquisa.
São um conjunto de não-rostos e tudo o que me diz é sempre não-qualquer-coisa.
Como diz ele, auto-não-retratos.

Em parte, 'interessa-me perceber o que é que continua a definir o rosto quando ele já lá não está'. Não sei se o João oculta o rosto ou se ele nunca esteve presente, mas sei que começou este trabalho no atelier sujo e gradualmente passou-o para o limpo, para dentro de casa. O trabalho já está autorizado a conviver com a parte clara do João.


Esta rã-folha faz parte
de um livro de poesia chamado Rã,
o qual ilustrou.

O 'atelier limpo' é figurada e literalmente limpo. Dentro da sua casa, nova, grande, branca e arrumada, vai tirando um livro de poesia que ilustrou, outro que editou e muitos, muitos desenhos.

A série 'Alice' é um conjunto pelo qual tem especial apreço. Começou há uns anos e está terminada, mas foi a primeira vez que saiu do panorama da ilustração para se poder expressar de outro modo.
As Alices nunca têm a cara virada para o espectador ou, se têm, está tapada. 'Porquê?', 'Porque... não sei, se calhar lidar com a realidade é difícil'.


Série 'Alice'
s/ título
2007-2011

Série 'Alice'
s/ título
2007-2011

Série 'Alice'
s/ título
2007-2011
As Alices entram em colisão com o mundo real. Uma personagem de outro mundo interage com personagens da 'nossa' realidade e tem que lidar com ele. 'Isso é difícil para uma Alice'.


O trabalho do João é o trabalho do não-qualquer-coisa. Auto-não-retratos, a editora (não) Edições, a ilustração que não é bem aquilo, é outra coisa quando acompanha livros de poesia mas não ilustra realmente os poemas; e mesmo os dois ateliers, que não são ateliers por si, são limpo e sujo, são como que não ateliers, já que nenhum corresponde à definição genérica do que um atelier é.


Para o livro do Rui Dias Monteiro, Fazer Fogo à Noite, a quantidade de esboços antes dos ramos finais que figuram na capa é incrível. Mas a ilustração é livre, mais livre do que a pintura. Mais limpa também.

Rui Dias Monteiro, Fazer Fogo à Noite, (não) Edições

Porque este atelier é em casa, é possível ir ao quarto buscar outros trabalhos. Eles estão por todo o lado e eu tenho pena de não conseguir falar sobre cada um.

Este, que estava na mesinha de cabeceira, vai de encontro a outro tema recorrente: as mãos. Desenha muitas e nos diários gráficos podem ver-se durante páginas e páginas.




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Depois de almoço, o atelier sujo era o que faltava. Estava reticente: quando me falou em sujo, eu julguei que se tratava de tinta espalhada pelo chão. Como era o atelier de pintura, era normal que o quisesse fora de casa, para poder sujar à vontade. Mas o que aconteceu foi uma clara exposição do João. 

Quando abriu a porta, um rés-de-chão sem nenhuma característica especial, entrei numa garagem ampla, mas pesada. É um atelier partilhado com duas pintoras, todos com trabalhos diferentes. E o trabalho do João, que é tão fluido na ilustração, aqui é duro e denso. 

Apesar da fotografia não fazer jus,
estas são telas inacabadas
de casas que, ora têm grades, ora não têm.
São escuras e fechadas.

Não falámos muito. Tornou-se claro que a parte negra do João contaminaria a casa se lá estivesse. Dos assuntos sujos, ele trata sozinho e remói naquele espaço. Ali descobre uma camada que, na ilustração, aparece de outro modo.

A postura é sempre esta.
Enquanto no outro atelier se pode tocar em tudo,
aqui queremos afastar-nos.
Não se trata de rigor na execução da pintura,
mas da verdade com que o João se vê exposto.

Não são só as pinturas que têm uma cor escura e grades. O próprio ambiente é escuro, meio sem graça, com luz artificial a tomar conta do espaço. É estranho e, para mim, desconfortável.




Trabalhar muito em diversas direcções e ser capaz de mostrar aquilo que se tem é uma qualidade no João. Esta visita teve tanto de longo como de gratificante. 

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O João Concha está disponível para contacto através do seu Facebook.
Sobre a (não) Edições, há um tumblr e uma página de Facebook.
Mais trabalhos de ilustração neste site.
E ainda um blog com o nome do próprio: João Concha.

Ainda sobre o João, há outro post que sairá em breve, acerca dos seus diários gráficos.

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Outros trabalhos do artista


S/título
desenho sobre papel e acrílico rosa com desenho a marcador
30 x 21
2013

Série 'Alice'
sem título
técnica mista sobre papel
15 x 21 cm
2007-2011
Série 'Copycats'
auto-não-retrato (6)
técnica mista sobre madeira
22 x 30 cm
2011



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