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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

NUNO GIL

Nas Janelas Verdes há um Convento.

Passo por um claustro descuidado, nem dou pelas portas para as celas, algumas ainda habitadas. O ambiente é monástico: ideal para a execução do trabalho do Nuno Gil (Lisboa, 1983). E o próprio Nuno, que diz muito em poucas palavras, está envolvido dentro de si próprio.

Para entrar no seu atelier, é preciso baixar a cabeça. A porta é pesada, assim como o ambiente lá dentro. Um fortíssimo cheiro a tabaco de muito tempo está entranhado: o Nuno tem aquele espaço há 13 anos.



Este é um trabalho do tempo da faculdade - Belas-artes, curso de Pintura.
A tela foi absorvendo a humidade que vinha da parede
e o artista foi trabalhando a partir
das manchas.

A 'cela-atelier' está dividida em hall de entrada, três salas pequeníssimas, uma casinha de banho e uma cozinha. O hall e parte da cozinha são uma espécie de acervo. Desarrumadíssimo, com pequenas notas para si próprio nas paredes, vou sendo guiada quase em silêncio pelas salas, uma a uma, pelos trabalhos que estão a meio, pelo processo. Se pergunto alguma coisa, obtenho resposta. Se não pergunto, não há nada a dizer.

Em cada sala
há trabalhos em diferentes fases. 




O trabalho é lento e moroso e o Nuno não trabalha antes do meio-dia. A partir dessa hora, chegou o tempo: fecha-se na cela e é capaz de lá ficar por uma década de horas - quero dizer, dez horas que têm muito mais que dez horas dentro. O seu trabalho é assim: muito cheio, com muitas camadas, sem ser gratuito. A conversa também não o é e para mim é nítido que aquele trabalho só poderia ser feito por aquela pessoa.



Começou com restos de fita-cola. Estes pedaços estão logo na primeira sala junto à entrada e ocupam completamente a parede. A própria disposição é sugestiva e quando o Nuno lhes passa a mão em cima, diz 'que bonito, não é?'. Há-de repetir mais um par de vezes, como se eu não estivesse ali.

São fitas-colas que são restos de pinturas suas. Foi-se apercebendo que ali havia qualquer coisa em comum. Foi colando na parede e já têm anos. Outros pedaços tornaram-se directamente trabalhos seus.

Este trabalho à esquerda, com triângulos, é um exemplo
de trabalho com fita-cola.
A cozinha é o espaço
onde mistura tintas e onde tem
alguns livros, inclusive
'100 painters of tomorrow', no qual figurou.

Dos tempos de faculdade, ainda guarda alguns desenhos. Não costuma desenhar e não vi nenhum diário gráfico. Mas pude espreitar - digo, mexer como me apeteceu - numa caixa de desenhos, onde se vê a sua linha de trabalho, apesar de embrionária. 'Está à vontade, só não mostres aquele'.

Eram tantos, tantos,
que eu nem sabia que fotografia escolher.
'Não me preocupa que as pessoas não percebam o meu trabalho. Acho que, se a pessoa for inteligente, percebe partes de mim que são muito íntimas'.

Quando lhe pergunto se não tem medo que aquilo que o faz trabalhar se esgote dentro de si, recebo um grande silêncio como resposta. Um silêncio que é suficiente para me sentir envergonhada pela pergunta, mas que afinal era só um silêncio pensativo. 'Nunca tinha pensado nisso. Acho que não vai acabar. Não sei se te acontece, a mim... Às vezes quando as coisas estão a correr bem, preciso de abanar, o trabalho não se desenvolve. Às vezes, tudo está normal e preciso de provocar alguma coisa para conseguir trabalhar. Ele não se constrói em qualquer ambiente'.


Nunca trabalha com restos de papel de outras pessoas. Estes recortes são restos das suas próprias pinturas, de outros trabalhos ou feitos de propósito. 'Comecei a agrafar para pôr as coisas no lugar. Não colo, só pinto, agrafo e faço furos'.

Os furos surgem como forma de eliminar definitivamente uma parte da pintura. É muito metódico no que faz, já foi mais simétrico e começou a aperceber-se que não seria essa simetria que iria resultar. 'Não gosto de uma parte e furo. Às vezes, são formas de eliminar um pêlo ou qualquer coisa que não funciona bem no todo. Quero tirar dali para fora'.

Fala-me de uma forma muito clara. Não há hesitação ou confusão no discurso e os trabalhos também são assim.


Nas pinturas, está sempre à procura da forma mais correcta de rodar o pulso. E é também por isso que o repete tantas vezes: aquelas espécies de círculo que pinta são à procura de um melhor que o anterior.

NUNO GIL
S/t
2012
Acrílico, agrafes, grafite s/ papel
76 x 56 cm

O Nuno utiliza um pincel quase sem pêlos.

Voltei a passar pela porta baixa e o Nuno diz-me que está tão habituado àquele espaço que, por vezes, em casa, se baixa para passar por portas que não têm aquela dimensão. Deseja mudar, mas não deseja: do que gosta mesmo é daquele sítio e diz, em tom de brincadeira, que a coisa boa é não haver metro ali perto.


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O Nuno Gil é representado pela Módulo, de onde retirei as fotografias dos seus trabalhos.
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S/t
2014
Tinta da China, acrílico e agrafes s/ papel Fabriano 300g/m2 100% algodão
140 x 116,5 cm

S/t
2012
Acrílico, agrafes, grafite s/ papel
170 x 140 cm

Untitled
2014
Técnica mista s/ tela
120 x 120 cm

S/t
2014
Tinta da China, acrílico e agrafes s/ papel Fabriano 300g/m2 100% algodão
140 x 116,5 cm





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