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Conheci a Sara Maia (Lisboa, 1974) na penúltima edição dos Ateliers Abertos, organizado pela Castelo d'If. Quando abriu o seu atelier ao público, eu não esperava que numa garagem meio abandonada num recanto das Olaias pudessem estar trabalhos tão bons e uma pessoa tão bem disposta e faladora.
'Adoro mostrar e falar sobre o meu trabalho! Divirto-me imenso todos os dias. No dia em que deixar de me divertir, acabo com isto, já não vai valer a pena. Hoje, vale! É por isso que continuo!'.
A Sara desenha e pinta a uma velocidade impressionante. Quando são grandes telas, prepara esboços, faz alguns estudos, mas quando se trata de desenhos que se podem interligar entre si e formar várias histórias numa, as coisas são decididas ali mesmo.
'Adoro contar histórias. Toda a gente tem alguma coisa para dizer, alguma coisa para relatar. Os meus relatos são estes, sob esta forma. Tenho a consciência que alguns são pesados, mas é bom ver as reacções das pessoas'. Na verdade, esse é um prazer seu: ver os outros comentarem os seus trabalhos. Alguns rejeitam-no à partida, outros pensam que o trabalho está a falar sobre eles próprios, sobre a sua história.
'É engraçado, isso, eu pintei aquilo a partir de mim e as pessoas acham que eu pintei aquilo a partir delas, a contar a história delas. Como que eu as tivesse descoberto, começam a contar-me a sua vida. Não é óptimo que um trabalho tenha esse efeito?'
Desde nova que a Sara pinta deste modo desenfreado. 'Os meus colegas chamavam-me para sair e às vezes eu não ia, estava completamente imersa nos meus desenhos e focada no meu objectivo: entrar na Ar.Co. Queria tanto, que com 15 anos os meus pais me inscreveram. Estava tão feliz, fazia a escola normal e depois ia para lá trabalhar. Trabalhava, trabalhava até me cansar, divertia-me imenso! E depois as pessoas gostavam, que eu pensava: caramba, estou a divertir-me e ainda gostam do que eu faço?'
Daí a começar a expor, foi um instante. 'Sinto que vim de um meio que propiciou o início de tudo isto, de certo modo, mas poder pintar é só meu. Têm que sair, estas histórias que estão cá dentro, e talvez não lidasse tão bem com as coisas no meu quotidiano se não fosse este espaço e aquilo que faço todos os dias'.
Há sempre aquele comentário que lhe fazem sobre o seu trabalho ser parecido com o de Paula Rego. 'Esse comentário é bom, claro, mas por outro lado também revela uma certa ingenuidade. Toda a gente tem as suas referências e com toda a certeza os seus trabalhos fazem parte das minhas. Ela também conta histórias como eu, mas eu falo de mim, das minhas histórias, ela fala das suas. Perturba-me que me digam que 'é o mesmo'. É o mesmo quê? Não percebo.'
O que interessa mais à Sara são questões relacionadas com a consciência. Trazer à consciência aquilo que está escondido, começar a revelar. Quando se expõem as coisas e se pode olhar directamente para elas, já não estão tão dentro de nós, já saíram e já as podemos ver. 'Podermo-nos identificar com qualquer coisa é sempre uma sensação de alívio'.
'Eu costumo dizer que nunca cresci no sentido de representar as coisas emocionalmente. Os miúdos representam o pai do tamanho da torre e eles, pequeninos, lá em baixo, a dar-lhe a mão. Depois, com o tempo, vamos dando aos desenhos as proporções reais, mas para mim as proporções reais são as emocionais. Quanto temos consciência das coisas, podemos andar muito para a frente'.
Os sonhos também são importantes para a Sara. Sonhar e lembrar-se dele, daquilo que ele espelha - as nossas preocupações, alegrias e medos - é um passo para que nos possamos resolver.
'Agora tenho pensado em fazer colagens, apetece-me compor de outra forma. Vamos ver o que sai. Quanto ao viver da arte: quando eu estou mais aflita, aparece sempre uma oportunidade. Sou positiva porque me têm acontecido coisas boas. Às vezes não sei o que fazer e depois, não sei de onde, alguém me vê, alguém descobre e salva o momento, sem sequer saber. Só me mostra que tenho que continuar'.
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Este é o site da Sara Maia e este, o seu facebook.
A Sara é representada pela Miguel Justino Contemporary Art.
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