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sexta-feira, 11 de março de 2016

JAC - José Augusto Castro


Esperei pelo José Augusto Castro (Avintes, 1962) perto do El Corte Inglés de Gaia. Veio um assobio de um carro e era ele, que me levou até ao seu atelier, uma garagem ao lado da sua casa.
'Trabalho aqui, adoro ter o atelier ao pé de casa. Às vezes já estou deitado e penso epá, devia mesmo ir fazer tal-e-tal e venho!'

O JAC tem um discurso jovial e extrovertido. Cada pedacinho da conversa foi quase um curso de como se manter motivado. O truque? 'Faço tudo o que está ao meu alcance. Assim estou de consciência tranquila, fiz tudo. Se vendo ou não, já não posso controlar, mas confio muito no meu trabalho, sei que é o melhor que posso fazer'.

'Uma vez estava aqui no atelier e estava só a gastar tinta.
Parei e disse a mim próprio 'tu não estás a ser como és. Tens é que pintar do que sabes.'
'Às vezes, queremos ser mais do que somos, não é? Queremos fazer melhor do que é suposto, até somos presunçosos, queremos pintar uma coisa cheia de carga emocional, de profundidade. Isto é para me relembrar que só posso pintar aquilo que sei e que vem de mim. Não me vou pôr com invenções'.

Com efeito, todo o discurso em voz muito alta e engraçada torna-se, gradualmente, um discurso sobre a verdade e o erro. O JAC pinta por cima, pinta muitas camadas, deixa a pintura a descansar e volta a pintá-la uns tempos mais tarde. Vira as telas para a parede para não ter tentações.

Livros de artista, pequenos desenhos, restos...


'Aproveito restos das minhas próprias pinturas. A tinta vai caindo, a determinada altura eu rasgo, colo num caderno, pinto por cima. Faço as minhas próprias cores, coloco-as nestes boiões.'
As colagens são uma pequeníssima parte daquilo que o JAC faz. Mas tem-nas guardadas numa caixa impecável, organizadíssimas, nem parece vindo daquela pessoa. No final da visita, pensei que talvez este tenha sido dos ateliers mais organizados que visitei.


Pequenas colagens de restos de pinturas.

'A primeira coisa que faço quando chego ao atelier é ligar música. Muitos dos títulos dos meus trabalhos são excertos da música que estou a ouvir naquele momento, sou muito sugestionado pelo som. Agrada-me ouvir com muita qualidade'.
O ambiente do atelier tem qualidade, mesmo que nunca tenha ouvido música enquanto lá estive. A luz é maravilhosa e eu própria tinha vontade de lá trabalhar.

Esta fotografia foi um momento absolutamente pessoal,
já que eu sou uma fã do Cohen. 
O JAC adora livros de artista e fá-los todos os dias. Aproveita publicidade e, tal como as colagens, pinta por cima, escreve e compõe um e outro livro. São muitos, dezenas. Sempre pequenos, que nunca expôs porque não sabe como. 'Queria que as pessoas mexessem, mas tenho medo que se estraguem. E não os venderia por nada. São importantes para mim'.


Ao construir livros de artista por cima de catálogos,
não há o medo da página em branco, de estragar
alguma coisa. Está-se à vontade.
Há trabalhos que lhe nascem da brincadeira. Arriscaria dizer que todos os trabalhos lhe nascem de um modo divertido. Os gestos são rápidos, mas quer que se saiba: a rapidez do gesto final não se equivale à rapidez da construção do gesto. Para que um gesto saia rápido, há milhares de gestos que lhe precedem, horas de trabalho que estão por trás.



'Tenho um amigo daqueles tipos que já têm tudo. Pá, não sabia o que lhe havia de dar pelo aniversário, estava aflito. Então decidi pintar-lhe um bolo de anos. Levava escrito uma frase com ironia. Presto atenção a isso: escrever por cima daquilo que pinto.'

Este bolo seria o início de uma série de mais de cem, que expôs assim mesmo, sem moldura, só o bolo. 'Os 'cakes' são uma excelente prenda e as frases são especiais. 'Estou sempre a lembrar-me de mais e vou anotando. Já construí um caderno só com ideias para cakes: uma pessoa começa a pensar e de repente vêm muitas.'




'Acho que o preço tem que ser acessível. Não quero que uma pessoa deixe de levar um trabalho meu só porque não pode comprar. Isso não pode ser, eu trabalho a divertir-me.'

A exposição dos Cakes deu-lhe uma projecção que não esperava. Saiu em revistas e isso foi importante. 'Quero que muita gente veja o que eu faço. Gosto tanto disto!'

Na revista Umbigo, número sobre arte e gastronomia,
reproduções dos quadros
da exposição.

'Uma vez, fiz uma pintura. Estava péssima, péssima. Não sabia o que havia de fazer com aquilo. Então enrolei e era um trabalho! Um desenho enrolado, o meu desenho enrolado. É assim, está acabado, é isto!', diz-me no meio de uma gargalhada.

Pintura enrolada
de JAC.

'Uma vez fiz obras em casa e guardei os restos nesta caixa. Assim, posso olhar para ela todos os dias.'



Uma vez, viu na internet um rapaz de Nova Iorque que vendia lindas carteiras. Quis uma. Enviou-lhe mensagem, propondo uma troca: o rapaz enviava-lhe a carteira em troca de um dos seus trabalhos. Assim foi: o JAC enviou-lhe fotografias, o rapaz escolheu aquele que queria, ambos se comprometeram a enviar o que haviam prometido e o negócio parecia fechado.
Exceptuando que, no dia seguinte, quando o JAC chega ao atelier e vai embrulhar o trabalho desejado, já não é o mesmo da fotografia. Já tinha modificado completamente sem se lembrar. Ainda assim, o rapaz ficou com o trabalho, o JAC com a carteira e tudo correu como deve ser. Para atestar isso, abre-me o seu diário na página onde se confirma a troca:



Além de tudo, o JAC tem espalhado pelo seu atelier uma série de lembretes para si próprio. As fotografias abaixo atestam essa característica e o trabalho do JAC, tão rico e ao mesmo tempo tão fluído, só podia ser feito neste atelier, nesta local reservado num cantinho de Gaia.















(clicar para ampliar)

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O JAC pode ser contactado através do seu site ou Facebook.
O trabalho está exposto na Miguel Justino Contemporary Art, em Lisboa.


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