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terça-feira, 5 de abril de 2016

HUGO BERNARDO


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Encontrei-me com o Hugo Bernardo (Lisboa, 1988) num café estilo vintage nos Anjos. Esta foi a terceira vez que nos encontrámos.

Conheci-o há uns tempos numa exposição sua na Alecrim 50 em Lisboa, a galeria que o representa, e voltei a vê-lo uns meses depois, no Espaço AZ, com uma exposição que me chamou a atenção: eram umas telas com personagens perdidos no meio de um espaço etéreo.

Depois de uma conversa de 20 ou 30 minutos sobre o Ar.Co, a escola onde estudou, sobre a forma como vê a arte a partir dos seus 27 anos e sobre como tem aquele atelier - 'a sorte é que os prédios são bons, grandes, e não são muito caros, por isso dá para ter um atelier em casa!' -, descemos a rua até ao seu espaço de trabalho: duas salas contíguas num espaço só seu da casa.

Esta é a sala de pintura, impecável e cheia.

A primeira sala onde entrei era uma espécie de quarto de jantar 'A minha avó fez a sua formação nesta área. Habituei-me a ver estas coisas, lidava com elas'. Falou-me na avó duas ou três vezes ao longo das horas, sempre com deferência. 'Esta mesa é dela, isto também, deu-me aquilo'. É a sala de pintura. A segunda sala, onde passámos a maior parte do tempo, é onde faz as monotipias.

Falámos pouco sobre a sua pintura: a conversa debruçou-se mais sobre
as monotipias.
Ainda assim, aponta para as telas viradas para a parede
e diz: 'isto... já nem sei onde arrumar tanta coisa, mas também não vou deitar fora!' 

A conversa foi sempre sem pausas. Nunca houve um momento morto: o Hugo é uma pessoa tão entusiasmada e enérgica que por vezes é impossível acompanhar o discurso. Felizmente é sempre eloquente, pronto a justificar o que quer que seja ou a repetir, se for preciso.

'Tenho que ter tudo arrumado. Tenho que me organizar, o espaço não é assim tão grande.'

Costuma falar sobre o seu trabalho, dá-lhe prazer, gosta de o discutir. E fala sobre ele com humildade. 'Sei que tenho que crescer, que isto não é o resultado final. Gosto do que aqui está, gosto do que faço. É meu e é genuíno'.


Se desenha? Muito.
Não é a originalidade que importa, é a verdade associada ao trabalho. Se for original, melhor, mas ainda há tempo para isso. Sabe que precisa de crescer, mas tem a certeza que é capaz dessa evolução. 'É isso que me faz acordar de manhã e vir para aqui todos os dias. Acho que as coisas não estão esgotadas, não vivemos numa eterna repetição do que já está feito. As coisas funcionam por testes: faço muitos. Funciona? Funciona. Não funciona? Azar, outros funcionarão'.

Para o ano chinês do Macaco, a pedido de uma amiga, fez um pequeno
estudo que resultou numa pequena exposição.
É um bicho de trabalho e o seu atelier não desmente. Quando lhe pergunto se costuma desenhar, a pergunta é quase desnecessária: claro, muito, todos os dias. Desenha a toda a hora. 'É a única coisa que faço desde sempre, preciso de desenhar muito, qualquer coisa que apareça. Ando sempre com este caderno debaixo do braço'. E o diário gráfico aparece por cima de todos os móveis do atelier. Folha a folha vai desvendando pássaros, muitos pássaros e alguns rostos.

Abre-me gavetas e posso ver mais de cem cadernos de vários tamanhos todos organizados.

'Nunca expus os meus desenhos. Não me faz muito sentido, é o básico do meu trabalho, não tem como fim nada a não ser o próprio desenho. Pode ser que um dia... mas eu não sinto como trabalho. Desenhos são... são outra coisa'.

Um amigo ofereceu-lhe este catálogo de cromos, completo,
propaganda de um hotel alemão. Inspirou-se nestes
soldados para uma série.


Colecciona soldadinhos, já coleccionou mais, já teve mais. Tive a sensação que tudo no seu atelier era colecção de qualquer coisa, tudo fazia parte de uma linha que eu não estava a apanhar a não ser quando me confirmou a sua veia de auto-denominado coleccionador.

E as monotipias? Aquilo que me chamou até ao atelier, aqueles trabalhos que eu estranhei por terem um ambiente solitário e vazio com personagens estranhos?



'Continuo a fazê-los. Uso uma chapa de cobre, imprimo e, como disse, às vezes funciona, outras vezes, não'. Gosta do detalhe que faz o seu trabalho parecer quase uma ilustração científica. Nalguns, nota-se a impressão. Noutros, eu podia jurar que era pintado directamente.

'Este homem, que tem o corpo de Cristo, e esta mulher, são dos meus mais recentes.
São para a próxima exposição. Decidi juntar estas mãos, tira-lhe o ar trágico,
estou a tentar parodiar. Tipo 'tchanam!, aqui estou eu!' ou então
só quero retirá-lo do contexto. Mas tenho a certeza
que as mãos acrescentam alguma coisa.

'Tenho este bicho que criei, é uma mistura de outros animais. Acho que este sou eu!', diz-me entre gargalhadas.


Repete-o, inadvertidamente, 19 vezes em cada série. 'Aconteceu, por acaso fi-lo sempre dezanove vezes sem nunca me aperceber'. Este bicho é muito especial para mim.


Depois, a conversa tomou outro rumo. Ser artista é o quê? Como é que ele sabe? Tive sorte de lhe apanhar a resposta à pergunta em vídeo:


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O Hugo Bernardo é representado pela Alecrim 50
Pode ser contactado através do seu site e da sua página de Facebook.

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