A Ana Vidigal (Lisboa, 1960) trabalha em casa, ao cimo de uma rua em Alfama. A partir de fora de casa, nada deixa antever que se vai entrar num prédio tão bonito e silencioso. A Ana recebe-me cheia de energia, apesar de mais tarde dizer que 'já não é o que era, que antes podia carregar telas escada acima, escada abaixo, e no dia seguinte estar fina e agora lá vêm as dores de costas!'. Duas horas e meia a mexer e ver materiais, fotografias e a conversar animadamente sem nunca parar, fez deste atelier o mais mexido que visitei.
O material orgainzado por cores. |
Depois de dois lances de escadas, há um pequeno hall que entra para a sala, ampla e bem decorada. À direita, a biblioteca, já parte do atelier. 'Pode entrar-se directamente para o espaço de trabalho, que é metade da casa. Venho da rua e já estou onde quero estar, mas gosto de não ter que passar por uma série de sítios para ir buscar um copo de água'. Assim, a casa foi desenhada para fazer um círculo: biblioteca, atelier, cozinha, casa de jantar, sala e biblioteca outra vez.
É impressionante a quantidade de luz que entra casa adentro. Os tectos altos e os azulejos com padrões desencontrados dão ao lugar uma harmonia rara. 'Vivo nesta rua há décadas; esta casa, que era uma escola, pertencia ao meu pai. Eu vivia no andar em baixo. Depois, fiz umas obras, mudei para aqui e transformei metade do espaço em atelier. Já tive um atelier fora de casa, mas prefiro dentro: é que, no outro, os meus dias eram passados a fazer outras coisas em vez de trabalhar! Sou preguiçosa e, por isso, muito disciplinada e o atelier fora fazia com que descambasse'.
Pequena parte da biblioteca |
Nada é caótico e a Ana assegura que faz parte da sua personalidade; a arrumação não vem de um esforço para deixar tudo impecável. Até as pequenas notas que deixa a si própria são muito explícitas e com letra bem desenhada. Mas o seu material não está todo no atelier nem na biblioteca, como pode parecer à primeira vista. 'Partilho com os meus irmãos um sítio onde arrumamos algumas coisas, esse sim, é fora de casa. Quando não tenho nada para fazer, vou lá ter ideias, abrir caixas, mexer em coisas.'
Abre-se um conjunto de gavetas onde há muito para ver, para trabalhar |
Descendo a sua rua, entramos numa outra casa. Passada uma sala com um amontoado de caixas, outra com outros objectos, subimos umas escadas de madeira até ao sótão. É aí que guarda tudo o que ainda não está a ser utilizado. 'Nem sei o que é que aqui está, vou abrindo, vou vendo e quando me agrada, levo para o atelier'.
Colecção de agulhas no sótão |
'Um bom dia de trabalho para mim é quando consigo fazer alguma coisa, quando fico satisfeita com a coisa, por mais pequena que seja. Não tem que ser 'começar uma peça de manhã e acabar à tarde'; às vezes isso acontece, mas só depois de um processo de maturação que levou ao dia em que consegui concretizar o trabalho. Bem... Um bom dia de trabalho a-sério-a-sério é quando vou ao cinema ver dois filmes de seguida, para chegar ao atelier e conseguir trabalhar. Isso é trabalho, claro, eu trabalho a partir do que me aparece.'
'Era do meu pai, acabei por ficar com estas coisas todas. Não deito nada fora'. |
De regresso a casa, há ainda muito por ver. Com o seu ar contente e entusiasmado, numa salinha anexa à biblioteca, abre um móvel com umas quantas gavetas e deixa-me à vontade. 'Podes fotografar tudo. Esta gaveta tem trabalhos que me ofereceram ou trocas que fiz. Este, por exemplo, é do Jorge Catarino, gosto muito!'
Uma gaveta com trabalhos de outros artistas. Na mão: Jorge Catarino |
'Assim que apanho estes moldes, compro logo. Isto é uma coisa que já não se faz, ninguém quer isto para nada. Quando vou a Nova Iorque, trago sempre uma série deles. Encontram-se em cada canto.' |
Para além da biblioteca, desta salinha e do sótão fora de casa, faz ainda parte da zona das arrumações a casa do seu irmão, acima da sua. 'Era impensável para mim manter tudo no atelier, nem me ia poder mexer! Lá em cima não há móveis, podem dar-se umas boas festas!'
Chegamos, por fim, ao atelier propriamente dito. Nesta altura, deixou-me sozinha e eu apreciei coisa por coisa.
Quando perguntei se mantinha diários gráficos, respondeu que não, mas que tem em curso um livro de artista. 'Dou-os todos, ofereço aos amigos quando fazem anos, não os quero para mim.'
'Este é o original de um trabalho que é uma ampliação desta imagem, trabalhada. Colo sempre os originais e assim já ninguém os usa.' |
Fim. |
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A Ana Vidigal é representada pela galeria Baginski.
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