Conheci o Gonçalo Preto (Lisboa, 1991) numa exposição onde participava. As suas pinturas eram tão vívidas e ele tinha um ar tão organizado e interessante, que no momento em que surgiu este blog, foi dos primeiros que quis visitar. Infelizmente estava em transição de atelier, portanto esperei sete meses para nos podermos encontrar pela segunda vez.
O seu atelier fica em Xabregas, mesmo no centro, numa sala de um edifício de escritórios banalíssimo. Divide-a com outro artista, o Rui Gueifão, e trabalha aqui praticamente todos os dias.
O Gonçalo começou a pintar há relativamente pouco tempo. Gostava de ilustração, passou-lhe pela cabeça banda desenhada e o desenho científico continua a ser um dos seus maiores interesses. Apesar de serem diversificados, sente que não está amadurecido em nenhuma vertente: 'tenho gostado de pintar, mas é uma coisa recente. Recebo e envio propostas, mas a maior parte das coisas que tenho concluídas são exercícios da faculdade que fiz com esforço e satisfação e alguns diários gráficos que começo com fulgor mas nunca termino, nem sei bem porquê'.
Tem um tom de voz um tanto-quanto melancólico e vamos conversando com crescente facilidade. Estudou Design de Equipamentos na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e passou um ano e meio em São Francisco, nos Estados Unidos. 'Aprendi mesmo muito e só regressei por falta de recursos financeiros para lá permanecer. O meu visto não me permitia trabalhar e estudar em simultâneo, então regressei a Portugal, contrariado. Se pudesse, voltava para São Francisco sem pensar duas vezes. É penoso ver que há alguma coisa fora da caverna e, mesmo assim, ter que se viver dentro dela'.
Ainda assim, o Gonçalo não desanimou. Pediu transferência e voltou às Belas-Artes de Lisboa para terminar o curso. 'É muito bom, sinto que preciso de um estímulo exterior para poder pensar mais rápida e eficazmente. A faculdade tem esse efeito em mim, sou obrigado a trabalhar melhor. Creio que quando fiz a licenciatura anterior, sentia alguma indiferença por parte dos professores. Tinha uma relação diferente, algum receio de colocar questões, de errar e de arriscar. Depois de vir dos Estados Unidos, não sinto aquela espécie de medo de pensar.'
Em São Francisco - tema que dominou a maior parte da nossa conversa, passando por ver todos os trabalhos de todos os seus ex-colegas da turma dos EUA - explicou que os professores eram mais próximos dos alunos. 'Aqui não se sente isso, há um distanciamento. Não sei se sou eu quem não aproveitou o que a universidade tinha para oferecer, mas não havia condições nem vontade. Agora não tenho vergonha, apesar de achar que há coisas... Lá, o professor acompanhava as aulas práticas connosco. Enquanto nós trabalhávamos na nossa escultura, ele trabalhava na sua escultura também. O facto do aluno conseguir ver que o professor também é capaz de fazer aquilo que nos propõe permite um maior desenvolvimento e determina o nosso sucesso na disciplina. Senti que a posição de aluno era mais justa.'
'Eu nunca gostei da conversa de que 'lá fora é melhor', mas para mim foi melhor. Além de termos aulas sobre a matéria propriamente dita, algumas delas eram reservadas para aprendermos a fotografar o nosso trabalho da melhor forma possível. Que equipamento usar, qual é a posição mais favorável, qual é o melhor ângulo de luz, etc. Sinto que aprendi nos Estados Unidos aquele tipo de coisas que são 'malditas' em Portugal, porque me viraram mais para a apresentação do trabalho num catálogo, por exemplo, em vez de me focarem estritamente na intenção e motivação por trás daquilo que fazia. Isso significa que estou melhor preparado para fazer sair trabalho mais rapidamente do atelier. Suponho que seja a "mentalidade empreendedora americana" a funcionar'.
O Gonçalo sempre gostou de desenhar caras desfiguradas, meio humanos-meio monstros. 'Não sei porque é que este tipo de pessoas me atrai, mas parecem-me fascinantes de algum modo'. O lado grotesco da humanidade é-lhe importante e o Gonçalo faz questão de sublinhá-lo com um traço muito preciso. 'Sou perfeccionista. Ainda não se nota muito na organização deste atelier por estar cá há pouco tempo, mas nota-se nos desenhos. Gosto de fazer sobressair o que me impressiona, mas não deixo de lado a precisão da figura original'.
Quanto a projectos de futuro, já tem algumas coisas pensadas. Mas por enquanto está concentrado na pintura que tem em mãos, que pretende terminar o mais rapidamente possível porque vai abrir um espaço novo em Lisboa, integrada numa colectiva que poderemos ver no final do mês de Novembro. 'Estou a tentar vir para cá todos os dias, tipo pintor solitário. Quero estar com toda a força e disponibilidade no curso de Pintura; apesar de ter entrado agora, vou terminá-lo rapidamente porque tive equivalências de algumas cadeiras. A minha disposição e vontade é muito maior hoje do que há três ou quatro anos. Além disto, vou para uma residência artística na Tapada da Tojeira, em Vila Velha de Ródão - esse é mais um incentivo entre os outros que procuro.'
'Adoro crânios, são dos meus objectos preferidos de desenhar. A minha vontade era a de ter um crânio humano! Este é de coiote e não faço ideia se é verdadeiro, mas gosto de acreditar que sim!', diz-me ele entre risos. Mas o Gonçalo nunca perde a calma ou altera o tom de voz, nem mesmo quando abordámos assuntos como o de ganhar ou não algum dinheiro com aquilo que faz - pelo menos o quanto baste para viver sem problemas. 'Sinto que não ter dinheiro suficiente para fazer uma vida à vontade é o preço a pagar por poder pintar todo o dia. Mesmo assim, consigo sustentar-me minimamente, apesar de achar que devia arranjar um part-time, pelo menos para pagar as propinas. Tenho algum receio que isso me retire tempo de atelier e, consequentemente, desse estado de introspecção do qual preciso diariamente; mas eu confio que vai correr bem'.
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Gostei tanto, Gonçalo! E apesar de ser tua mãe fiquei a conhecer-te ainda mais. Num forte abraço te desejo as maiores felicidades!
ResponderEliminar:) Mãe